sábado, 16 de junho de 2012

QUEM É "DONO DA VERDADE" OPRIME SEU PARCEIRO E INIBE A CRIATIVIDADE



"Onde temos razão não podem crescer as flores", dizia o poeta israelense Yehuda Amijai. A frase é útil para ilustrar o conflito entre convicção inflexível e florescimento da criatividade. Serve em especial aos pombinhos que se acham donos da verdade. Atitude que contraria os princípios do amor, um encontro criativo e libertário entre duas pessoas que se estimulam reciprocamente. Avaliação: 0 (0 votos) Avalie

Por: Paulo Sternick

Há um trecho formidável em Macbeth no qual o dramaturgo inglês William Shakespeare faz uma alegoria sobre a diversidade humana: "Na relação geral, passais por homens, como os mastins, os galgos, vira-latas, pastores, perdigueiros - são todos chamados pelo nome de cães". A idéia é valiosa para todos que procuram um amor ou se esforçam para compreender seu par, pois levanta um paradoxo instigante sobre o fato de que, ao nos sentirmos pertencentes à mesma espécie humana e ao partilharmos igual cultura, nem sempre observamos que podemos ser muito diferentes uns dos outros. Isso fica gritante quando vemos na mídia notícias de ações extremas que nos chocam e nos fazem perguntar como um indivíduo pode fazer aquilo. Mas as diferenças também se revelam no diaa- dia, de forma mais ou menos sutil, com atitudes de pessoas com as quais convivemos. Por exemplo, prosseguindo com a metáfora de Shakespeare, quantas vezes não ouvimos uma mulher se referir ao parceiro como pit-bull? Ou um homem falando da mulher como a víbora?

Há momentos em que o outro, em geral tranqüilo, vira uma fera, explodindo em raiva e emoções fortes. Se isso ocorre vez ou outra, dá para entender que possa ter tido um surto, às vezes reagindo de forma exagerada a algum motivo justo. Mas, se faz isso a toda hora, alguém merece? Pior é quando o pit-bull ou a víbora não "explodem" cotidianamente, mas mantêm temperamento autoritário, inflexível. Quase sempre se julgam donos da verdade, dão ordens, querem as coisas sempre à sua maneira e não sabem dialogar. Teimosia, convicção, onisciência e onipotência não dão espaço ao que é valioso numa relação e se constitui em uma de suas grandes vantagens: a flexibilidade mútua, o reconhecimento dos próprios limites, a capacidade de um aprender com o outro e a admissão das próprias imperfeições em benefício do entendimento.

Quando ele ou ela que são difíceis detêm o poder econômico do casal, aí as coisas ficam mais complicadas ainda. Perguntem se algum dia aceitará fazer análise? Nem pensar, pois sabe tudo sobre si e sobre o par, imagine se vai "rasgar" dinheiro pagando psicanalista? Quem aceita fazer análise reconhece que não pode saber ou controlar tudo e que o crescimento humano requer um par, um vínculo profundo. Foi assim no início da vida, junto à mãe. Assim se espera que seja com todo casal. Mas, como diria Shakespeare, há pastores, poodles e pitbulls. Um dos pombinhos, por dificuldade emocional e psíquica, exorbita, transgride o senso de respeito mútuo, tratando a cara-metade, não raro uma pessoa indefesa e sensível, de forma opressiva e sem considerar a singularidade dela. Ele ou ela tem uma incrível intolerância pelos limites e erros alheios, como se todas as pessoas precisassem ser como eles querem, com pensamento único e forma de ser igual.

Conviver com uma pessoa assim deve exigir paciência e noção de que se relaciona com alguém problemático - e, acima de tudo, gostar muito dele. Mas, não raro, quem sofre esse tipo de relação está revivendo uma situação infantil, em que o pai ou a mãe era uma pessoa tirânica e desrespeitava os limites de dignidade na tarefa educacional. Ela foi acostumada a tal exorbitância e converteu a opressão em experiência natural. Pena, pois assim o amor vê soterrado sob a prepotência o que mais o irriga: o diálogo, a convivência democrática, o aprender com a experiência recíproca, a observação da beleza da diferença.